As cenas protagonizadas pela delegada Natasha Dolci, em meio a denúncias e desabafos públicos, têm escancarado uma face incômoda da gestão pública pernambucana: a condução personalista e autoritária de uma estrutura já fragilizada por anos de descaso. No lugar da transparência e do amparo institucional, o que se vê é um duelo que expõe mais do que deveria esconder.
Não é irônico que a governadora Raquel Lyra, que já denunciou perseguições e hostilidades sofridas como mulher em ambientes de poder, permita que outra mulher, também servidora pública, enfrente sozinha o peso de denúncias de assédio, perseguição e corrupção dentro do sistema de segurança pública?
Natasha Dolci, delegada concursada, passou a tornar públicos episódios que revelam fissuras profundas em uma estrutura que insiste em parecer sólida. Entre as denúncias, o assédio sexual que teria sofrido no ambiente funcional, algo grave demais para ser tratado com silêncio. Ainda assim, até agora nenhum órgão de proteção à mulher, nem entidades ligadas aos direitos humanos, manifestaram-se em sua defesa.
A corregedoria da Secretaria de Defesa Social, já teria apresentado ao Palácio do Campo das Princesas um relatório sugerindo a demissão da delegada. Mas a pergunta que se impõe é: por que a pressa em silenciá-la e não em investigar as acusações? Por que a morosidade em não encerrar definitivamente o caso? O que pesa mais para o governo, proteger sua imagem ou proteger uma mulher que denuncia crimes dentro da própria máquina estatal?
Casos semelhantes em outros estados, como o do delegado Henrique Falleiros, em Curvelo (MG), levaram ao imediato afastamento do acusado da chefia da Polícia Civil após denúncia de assédio. Em Pernambuco, ao contrário, parece prevalecer o esvaziamento da denúncia e a ridicularização da denunciante.
O caso Natasha Dolci, inclusive, parece completar um quadro negativo que envolve os três poderes em Pernambuco. Primeiro, o Legislativo, com o presidente da Alepe expondo sem pudor um cidadão que denunciava um suposto esquema de corrupção. Depois, o Judiciário, ao expor um processo envolvendo uma criança vítima de abuso sexual que deveria ter sido protegido. E agora o Executivo, que mascara denúncias de irregularidades no sistema de segurança, comprometendo a credibilidade do próprio Estado.
Enquanto o governo insiste em apresentar projetos de empoderamento feminino e proteção às mulheres, a situação de Natasha Dolci revela um paradoxo: até onde vai a retórica e onde começa a prática? A quem interessa prolongar esse duelo que já ameaça se tornar desastroso para a imagem de uma gestão que tenta se firmar como histórica?
No fim, resta a imagem de uma delegada isolada, gritando no deserto de suas emoções mais abrasivas, e a indagação que ecoa: o silêncio institucional sobre Natasha Dolci é apenas omissão ou estratégia calculada?